“O Rio ainda não tinha visto olhos mais verdes, nem boca mais sangrenta...”

Na chegada à Corte Imperial brasileira, Madame de Saisset, a futura mãe de Pedro, apresentou-se como modista e atendia à nobreza e às elites política e econômica do Rio de Janeiro. Clientes não lhe faltavam. No Brasil do Primeiro Império, fosse a mulher de origem nobre ou burguesa, enfrentava a necessidade de vestir-se com esmero e portar-se com elegância. A imagem dela refletia a posição econômica e social do pai ou marido. Nesse contexto, a loja dos de Saisset se tornou um paraíso para as senhoras da sociedade, onde podiam encomendar vestidos de seda, comprar chapéus, leques, luvas e toda sorte de enfeites.
Os relatos dão conta de que Clémence, além de elegante, era uma mulher bastante bonita e atraente. “Mme Saisset era lindíssima, conforme o testemunho dos seus jovens contemporâneos e hoje velhos choradores do passado; tinha, porém, a fraqueza de saber de mais que o era, e de gostar que a admirassem.” 5 As palavras são de ninguém menos que Joaquim Manoel de Macedo, registradas na segunda metade do século XIX. E nesse assunto o escritor dispunha de informação privilegiada, porque tornou-se amigo pessoal de D. Pedro II e professor da princesa Isabel. “O Saisset, homem extremamente delicado no trato, de gênio brando e pacífico, e que muito se desvanecia da beleza da esposa, tinha também a sua fraqueza; amava além de Mme Saisset o vinho de Borgonha (...)” 6
Um pouco mais tarde, o romancista histórico Paulo Setúbal ofereceu detalhes preciosos sobre Clémence. “Era uma francesa realmente fascinadora. Muito requintada em vestidos. Grandes ares. O Rio ainda não tinha visto olhos mais verdes, nem cabelos mais crespos, nem bôca mais sangrenta, nem talhe mais espiritual. E os dentes? E as mãos branquíssimas? E a vozita clara, muito doce, por onde escorria mel? Que maravilha! Uma criatura estonteante (...)” 7
Com tantos predicados, a modista não passou despercebida. Até porque, a discrição não era, exatamente, uma qualidade encontrada na Rua do Ouvidor. Muito ao contrário, descrita como espelho da sociedade carioca, se tornara a vitrine perfeita para quem quisesse ver e ser visto, tecer intrigas e saber de todas as fofocas do Império. A rua praticamente nasceu com o Rio de Janeiro, sua origem remonta a 1568, mas ganhou o nome que conserva até hoje em 1780, quando para lá mudou-se o ouvidor-mor, Francisco Berquó da Silveira.
Ponto de vai-e-vem intenso, a Ouvidor abrigava, no século XIX, estabelecimentos comerciais sofisticados. Às modistas, somavam-se perfumistas, cabeleireiros, vendedores de sapatos, de charutos, joalheiros e, como não poderiam faltar, os tradicionais cafés e confeitarias. Era um pedaço da Europa no coração do Rio de Janeiro. “A Rua Vivienne daqui, que se chama Rua do Ouvidor, é repleta de modistas, de alfaiates e de cabeleireiros de Paris” 8, conforme relata o botânico Victor Jacquemont. Em correspondência de 11 de dezembro de 1828, destinada ao Barão M. de Mareste, ele compara o endereço carioca a famosa rua da capital francesa.
Em mais um relato, dessa vez em 1824, pouco antes da chegada dos Saisset, o letão Ernst Ebel, comentando sobre sua viagem ao Brasil, escreve a um amigo que “(...) ao entrarmos, porém, na Rua do Ouvidor, acreditamo-nos transportados para Paris, porque nela se estabeleceram os franceses e, na verdade, com aquela elegância que lhes é peculiar.” 9 Clémence não era a primeira e, tampouco, a única modista francesa na Ouvidor daquele princípio do século XIX, mas a sua beleza física e senso de estética sintetizam o que a maioria, naquela época, associava a luxo e refinamento.
A beautiful woman
“Rio had not yet seen greener eyes, nor bloodier mouth...”
Upon arrival at the Brazilian Imperial Court, Madame de Saisset introduced herself as a dressmaker and worked for the nobility and the political and economic elites of Rio de Janeiro. She was definitely not short of customers. In Brazil, during the first Empire, whether the woman was of noble or bourgeois origin, she faced the need to dress carefully and behave with elegance. Her image reflected the economic and social position of her father or husband. In this context, the de Saissets' shop became a haven for society ladies, where they could order silk dresses, buy hats, fans, gloves and all sorts of ornaments.
The accounts of the time show that Clémence, in addition to being elegant, was a very beautiful and attractive woman. “Mme Saisset was very beautiful, according to the testimony of her young contemporaries and now old mourners of the past; but she had the weakness of knowing how pretty she was, as well as of liking to be admired.” 5 The words are from none other than the writer Joaquim Manoel de Macedo, registered at the end of XIX century. And in this matter the writer had privileged information, because he was a personal friend of Emperor D. Pedro II and teacher of Princess Isabel’s children. “Mr de Saisset, an extremely delicate man, with a mild and peaceful nature, blinded by his wife's beauty, also had his own weakness. He loved, besides Mme. Saisset, the Burgundy wine (...)” 6
A little later, the historical novelist Paulo Setúbal offered precious details about Clémence. “She was a really fascinating Frenchwoman. Very exquisite in her way to dress. Rio had not yet seen greener eyes, nor curlier hair, nor bloodier mouth, nor more spiritual features. And the teeth? And the white hands? And the clear little voice, very sweet, from where honey flew…. How wonderful! A stunning creature (...)” 7
With so many predicates, the dressmaker did not go unnoticed. Discretion, after all, was not exactly a quality found on Rua do Ouvidor (or Magistrate’s Street). On the contrary, described as a mirror of Rio’s society, it had become the perfect showcase for those who wanted to see and be seen, to weave intrigues and get familiarized with all the Empire’s gossip. The street was practically born with Rio de Janeiro. Its origin dates back to 1568, but the name retained to these days was coined in 1780 when the chief magistrate Francisco Berquó da Silveira moved to the area.
In the 19th century, Ouvidor housed sophisticated commercial establishments. In addition to the dressmakers, there were perfumers, hairdressers, shoe and cigar sellers, jewelers and, of course, the traditional cafes and pastry shops. It was a piece of Europe in the heart of Rio de Janeiro. “The local Rue Vivienne, which is called Rua do Ouvidor, is full of fashion designers, tailors and hairdressers from Paris” 8, according to the botanist Victor Jacquemont. In a correspondence dated December 11, 1828 addressed to Baron M. de Mareste, he compares the Ouvidor to a famous street in the French capital.
In another account, this time in 1824, shortly before the arrival of the de Saissets, the Latvian Ernst Ebel, commenting on his trip to Brazil, writes to a friend that “(...) as we entered the Ouvidor street, however, we believe we were transported to Paris, because the French settled there and, in fact, with that elegance that is peculiar to them.” 9 Clémence was not the first nor the only French dressmaker in Ouvidor at the beginning of the 19th century, but her physical beauty and sense of aesthetics epitomized what most people at that time associated with luxury and refinement.
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